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A nova disciplina do agravo - Lei nº. 11.187/05 por Guilherme Beux Nassif Azem

23 de novembro de 2005.

A nova disciplina do agravo - Lei nº. 11.187/05
Guilherme Beux Nassif Azem
Procurador FederalMestrando em Direito - PUCRS
 
  
I – Breve introdução
No dia 20 de outubro de 2005, foi publicada a Lei nº. 11.187, que conferiu nova disciplina ao cabimento dos agravos retido e de instrumento, alterando o Código de Processo Civil. O objetivo central da medida legislativa, cuja iniciativa decorre do denominado Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano,[1] é tornar o processo mais célere e eficaz. Vejamos as alterações e suas possíveis repercussões.
II – Art. 522
De acordo com o art. 522,[2] o recurso de agravo será interposto, em regra, na forma retida. Nesse ponto, não se opera substancial inovação. Quando das alterações promovidas pela Lei nº. 10.352/2001, renomada doutrina já apontava para a inversão que se operava no sistema, no qual passava a ser regra o agravo retido, ficando o de instrumento como exceção. [3]
O agravo de instrumento terá cabimento nas seguintes hipóteses: (a) decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; e (b) inadmissão da apelação ou efeitos em que é recebida.
No que toca à primeira hipótese, cabe lembrar que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, garante a prestação jurisdicional efetiva. Lesão grave e de difícil reparação deve ser compreendida como aquela que, no caso concreto, exige imediata reforma, como condição de idoneidade do provimento aguardado. Sendo assim, impõe-se ao julgador aquilatar devidamente a situação posta à sua apreciação. Afigura-se contrário à ordem constitucional tolher da parte interessada meio processual adequado para, de forma tempestiva, ver apreciada alegação de lesão ou ameaça a direito. Nessa linha, Luiz Guilherme Marinoni afirma:
 O jurisdicionado não é obrigado a se contentar com um procedimento inidôneo à tutela jurisdicional efetiva, pois o seu direito não se resume à possibilidade de acesso ao procedimento legalmente instituído. Com efeito, o direito à tutela jurisdicional não pode restar limitado ao direito de igual acesso ao procedimento estabelecido, ou ao conceito tradicional de direito de acesso à justiça.[4]
A segunda hipótese de cabimento do agravo de instrumento é lógica. Como se sabe, na modalidade de agravo retido, o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação (art. 523). Ora, não sendo a apelação admitida, afastada estaria a possibilidade de requerer a apreciação do agravo retido, somente subsistindo interesse recursal na modalidade de instrumento. Já em relação aos efeitos em que recebida a apelação, presume-se o dano ao agravante, pelo que se justifica a opção pela formação do instrumento.[5] O agravo retido não daria, nesses casos, uma resposta imediata, como a exigida no caso.
III – Art. 523, § 3º
Diante da alteração promovida no § 3º do art. 523, das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo retido, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante. Veja-se, em comparação à redação anterior,[6] que não mais se fala em qualquer audiência, mas tão-somente na de instrução e julgamento.
Quanto às demais (justificação, conciliação, preliminar etc.), a melhor exegese aponta para que se submetam à regra geral inserta no art. 522. Embora possa ter sido intenção do legislador afastar a recorribilidade em tais casos,[7] ao ingressar a norma no ordenamento jurídico, substitui-se a mens legislatoris pela mens legis. Na ausência de norma expressa vedando o recurso nas demais audiências, prevalece a interpretação que o admite, não somente em homenagem à garantia constitucional da ampla defesa, mas, também, pela subsunção do fato ao art. 522, como já referido. Aliás, ainda que houvesse a vedação expressa, soaria desarrazoado entender que, pelo simples fato de a decisão haver sido tomada em audiência que não a de instrução e julgamento, a parte ficaria privada do agravo.[8]
Em respeito ao princípio da igualdade, também a eventual resposta ao agravo retido, interposto na audiência de instrução e julgamento, deverá ser oral e imediata. Por outro lado, nas demais audiências, sequer haverá a faculdade de interpor o recurso na forma oral, tal como permitia o art. 523, § 3º, em sua antiga redação.
IV – Art. 527, II, V, VI, e parágrafo único
De acordo com o novo texto do art. 527, II, a conversão do agravo de instrumento em retido será obrigatória, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida. No regime anterior, a lei consagrava uma faculdade do relator, empregando a expressão “poderá converter”; agora, o tratamento é imperativo.
No inciso V, abre-se ao agravado, expressamente, a oportunidade de juntar a documentação que entender conveniente em sua resposta. A anterior redação, é bom frisar, referia-se apenas à juntada de “cópias das peças que entender convenientes”. De qualquer sorte, caso o agravando junte peças que não se encontravam nos autos principais, o relator deverá abrir vista ao agravante, em respeito ao princípio do contraditório.
De acordo com o inciso VI, ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias. Nos casos dos incisos I e II, não há mais previsão da ouvida ministerial.
Consoante se extrai do parágrafo único do artigo referido no presente item, a decisão liminar proferida nos casos dos incisos II e III do caput (conversão do agravo de instrumento em retido e deferimento dos efeitos suspensivo ou ativo), somente será passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar. Veda-se, assim sendo, a interposição do denominado agravo regimental, admitido por alguns tribunais pátrios.[9]
No entanto, a remissão ao inciso II, que trata da conversão do agravo de instrumento em retido, causa estranheza. A aparente contradição ou atecnia deve ser superada por um juízo interpretativo menos restritivo.[10] Ao afirmar que as referidas decisões somente serão passíveis de reforma quando do julgamento do agravo, deixa-se clara a possibilidade de reforma, argumento reforçado pela utilização da expressão “decisão liminar” na primeira parte do parágrafo único. O relator, portanto, deverá levar a julgamento o agravo (de instrumento), propondo, salvo reconsideração, a ratificação da conversão.
V – Possível utilização do mandado de segurança
Finalmente, releva anotar a possibilidade de o mandado de segurança vir a ser utilizado com o intuito de obter ou de sustar os efeitos suspensivo ou ativo vindicados no agravo de instrumento. Igual raciocínio aplica-se caso venha a prevalecer o entendimento no sentido da irrecorribilidade da conversão do agravo de instrumento em retido.
Sabe-se que o mandado de segurança não pode ser utilizado como sucedâneo de recurso legalmente cabível, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 1.533/51, e da Súmula 267 do STF.[11] No entanto, diante da ausência de espécie recursal pertinente, fica removido o citado obstáculo, dando azo ao uso do writ para salvaguardar alegado direito líquido e certo da parte.[12]
VI – Considerações finais
A Lei nº 11.187/05 terá vacatio legis de noventa dias, passando a vigorar somente em janeiro de 2006. Embora não se possa fazer um seguro prognóstico acerca da efetividade das alterações, é possível vislumbrar, desde já, que a medida demandará uma interpretação cautelosa. Espera-se que a ânsia pelas necessárias mudanças não acabe por tumultuar ainda mais o nosso processo civil, tão carecedor de racionalidade e, por que não dizer, de simplicidade.
ANEXO - QUADRO COMPARATIVO
REDAÇÃO ANTERIORNOVA REDAÇÃO
Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, retido nos autos ou por instrumento.Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.
Art. 523.   Na modalidade de agravo retido o    agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação.Art. 523.   Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação.
§ 3º - Das decisões interlocutórias proferidas em audiência admitir-se-á interposição oral do agravo retido, a constar do respectivo termo, expostas sucintamente as razões que justifiquem o pedido de nova decisão.§ 3o Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante.
§ 4º - (Revogado pela Lei nº 11.187, de 2005)
Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator:Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator:
II – poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente;II - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa;
V – mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes; nas comarcas sede de tribunal e naquelas cujo expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante a publicação no órgão oficial;V - mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2o), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial;
VI - ultimadas as providências referidas nos incisos I a V, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias.VI - ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias;
Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar.

                                
[1] Publicado no Diário Oficial da União 241, de 16 de dezembro de 2004, seção I, p. 8.  
[2] Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.
[3] WAMBIER, Luiz Rodrigues; Wambier, Teresa Arruda Alvim; Medina, José Miguel Garcia. Breves Comentários à nova sistemática processual civil. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 299.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 188.
[5] THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, p. 544.
[6] Das decisões interlocutórias proferidas em audiência admitir-se-á interposição oral do agravo retido, a constar do respectivo termo, expostas sucintamente as razões que justifiquem o pedido de nova decisão.
[7] O Deputado José Eduardo Cardozo, ao relatar o então projeto na Câmara, assim consignou: “A alteração proposta no § 3º do art. 523, quando especifica decisões interlocutórias proferidas ‘na audiência de instrução e julgamento’, restringe a hipótese de recorribilidade de decisões com a natureza referida àquelas ocorridas nestas audiências, limitando, outrossim, a possibilidade recursal ao uso tão somente de agravo na forma retida, impondo, ao mesmo tempo, interposição imediata do recurso, o que indica maior celeridade ao processo, sem prejuízo das garantias constitucionais reservadas aos contendores.” (In: Reforma infracontitucional do processo civil / organizado por: Petrônio Calmon Filho. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil, 2005, p. 127).
[8] Imaginemos, apenas para ilustrar, o indeferimento da contradita em audiência (art. 414, § 1). O  fato de a audiência não ser de instrução e julgamento não constituiria razão suficiente para afastar a sua recorribilidade. Nas audiências de justificação (arts. 928 e 929), caso o juiz defira a reintegração, certo é que caberá agravo – e na forma de instrumento
[9] Enquanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendia pelo descabimento de recurso em face da decisão referida no art. 527, II, (v.g., Agravo nº 70013168950, Nona Câmara Cível, Relatora Iris Helena Medeiros Nogueira, julgado em 19/10/2005), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, apenas para ficar em um exemplo, admitia a figura do agravo regimental. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 210 do Regimento Interno da Corte Regional, segundo o qual da decisão que deferir ou indeferir a atribuição de efeito suspensivo ou antecipatório ao recurso caberá agravo regimental. 
[10] Lamenta-se que, mais uma vez, seja frustrada a tentativa de estabelecer um processo mais célere. No entanto, não pode prevalecer, a qualquer custo, os intentos reformistas que nortearam o projeto, ainda que bem intencionados. Normas restritivas devem ser interpretadas restritivamente, sob pena de as garantias do cidadão no processo civil restarem esvaziadas. Reconhece-se, no entanto, que a tendência da disposição é tornar-se letra morta.
[11] Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.
[12] Para Hely Lopes Meirelles, “se o recurso ou a correição admissível não tiver efeito suspensivo do ato judicial impugnado, é cabível a impetração para resguardo do direito lesado ou ameaçado de lesão pelo próprio Judiciário. Só assim há de entender a ressalva do inc. II do art. 5º da lei reguladora do mandamus, pois o legislador não teve a intenção de deixar ao desamparo do remédio heróico as ofensas a direito líquido e certo perpetradas, paradoxalmente, pela Justiça”. (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. 23. ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 42).

 

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