OAB Subseção Cruz Alta
Sexta-Feira, 26 de abril de 2024

Indenização para advogados por leitura, em rádio, de carta de ouvinte ofensiva à honra deles

05 de setembro de 2005.

  Foi mantido valor da reparação por dano moral que dois advogados trabalhistas (Tatiana Albuquerque Corrêa Kesrouni e João Gonçalves Amorim)  vão receber em razão de a emissora Rádio Capital do Som Ltda. ter permitido a leitura de carta de ouvinte no ar, com teor que ofendia a  reputação dos profissionais da Advocacia. Decisão da ministra Nancy Andrighi, da 3ª  Turma do STJ, manteve a decisão da Justiça do Mato Grosso do Sul.
   Os dois advogados entraram com uma ação contra a emissora pedindo reparação por danos morais sofridos, decorrentes de veiculação em rádio de matéria difamatória que teria atingido os profissionais - advogados trabalhistas - em sua reputação.
   Em primeiro grau, o juiz julgou procedente o pedido, condenando a empresa a indenizá-los em 100 salários mínimos a título de reparação por danos morais. A decisão foi mantida pelo tribunal estadual, ao apreciar a apelação de ambas as partes.
  O entendimento dos desembargadores foi o de que a emissora de rádio que permite a leitura de carta de ouvinte ofensiva à honra de alguém responde pelo dano moral decorrente da propagação da notícia. "Não é dado ao jornalista, a pretexto de informar, transmitir impunemente matéria ofensiva da honra das pessoas", afirmou a ementa da decisão.
   Para o TJ-MT, se a emissora, com a transmissão, ofende a honra de alguém, responde pelos danos morais provocados, considerando razoável o valor arbitrado "quando se mostra adequado para apenar a conduta do lesante e para retribuir a dor experimentada pelo ofendido". Esse entendimento levou os advogados a recorrer ao STJ, pedindo majoração. Ele alegaram haver decisões no tribunal superior que divergem do valor fixado pela Justiça estadual.
   Ao apreciar o recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, negou seguimento ao recurso especial. Para ela, os advogados ofendidos teriam apenas transcrito julgados sem confrontar as decisões apresentadas no recurso, nem demonstrar a semelhança entre os fatos dos quais essas decisões tratam.  (Resp nº 703640 - com informações do STJ e da base de dados do Espaço Vital ).
  
  Acórdão
 Leia o julgado TJ-MT que reconhece a responsabilidade civil da emissora de rádio
 
Primeira Turma Cível
 Apelação Cível -  Ordinário - N. 2002.005996-0/0000-00 - Campo Grande.
Relator  - Exmo. Sr. Des. Jorge Eustácio da Silva Frias.
Apelante - Rádio Capital do Som Ltda.
Apelantes - Tatiana Albuquerque Corrêa Kesrouani e outro.
Apelada - Rádio Capital do Som Ltda.
Apelados - Tatiana Albuquerque Corrêa Kesrouani e outro.
 
RELATÓRIO
 O Sr. Des. Jorge Eustácio da Silva Frias
 
Trata-se de apelação e de recurso adesivo interpostos, respectivamente, por Rádio Capital do Som e, de outro lado, por Tatiana Albuquerque Corrêa Kesrouani e João Gonçalves Amorim, contra a sentença (f. 213-219) que julgou procedente o pleito formulado pelos últimos em desfavor da empresa de radiodifusão e que a condenou no pagamento de indenização por danos morais, arbitrada no valor de 100 salários mínimos, a serem atualizados pela variação do IGP-M/FGV desde a data da citação e acrescidos de juros de mora de 6% ao ano, ambos a serem computados até a data do efetivo pagamento, tudo porque considerou que a afirmação de que os demandantes-advogados haviam se apropriado de dinheiro de cliente, em programa de rádio, denegrira-lhes a honra. A sentença atribuiu ainda à ré o ônus de pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da condenação.
 Por meio da apelação interposta (f. 222-228), pretende a demandada a integral reforma da sentença. Após tecer considerações sobre os fatos ocorridos durante a instrução processual, comenta que não houve ofensa aos autores durante a exibição do programa de rádio por ela veiculado em 19/12/1996. Aduz que o locutor, em momento algum, demonstrou má-fé ao transmitir as informações prestadas e comenta que, assim, não pode ser condenada pelo simples fato de exercer a função social de prestar esclarecimentos à sociedade. O pedido inicial, pois, deveria ser declarado improcedente.
 A seu turno, pretendem os autores, com seu recurso adesivo (f. 232-243), a majoração do valor fixado para indenização dos danos morais experimentados. Pedem o provimento do recurso para o fim de essa verba ser majorada para 250 salários mínimos para cada recorrente.
 Nas contra-razões (f. 245-256), sustentam os autores que as provas produzidas nos autos são extremamente precisas em demonstrar que o programa levado ao ar pela ré ofendeu-lhes a dignidade e a moral. Salientam que toda a comunidade jurídica e a sociedade tomaram conhecimento dos fatos, situação esta que lhes trouxe desconforto e humilhação, razão por que a apelação contrária deveria ser improvida.
 Na resposta ao recurso adesivo (f. 259-265), a demandada contraria o pleito de majoração da indenização.
 VOTO
 O Sr. Des. Jorge Eustácio da Silva Frias (Relator)
 Estão em julgamento a apelação e o recurso adesivo interpostos contra a sentença (f. 213-219) proferida nos autos da ação de indenização por danos morais movida por dois advogados, que afirmavam ter experimentado danos morais pelo fato de o locutor Edgar Lopes de Farias, em 19 de dezembro de 1996, no período da manhã, no programa "Escaramuça" da Rádio FM Capital, haver afirmado que os demandantes tinham retido dinheiro de reclamações trabalhistas de cliente seu, o que seria prática geral dos advogados dessa área. Dizendo falsa a afirmação, que afetara a credibilidade de ambos junto a seus vários clientes, pediram a condenação da emissora a lhes pagar compensação pelo dano moral experimentado.
 Segundo a demandada (f. 222-228), a condenação a ela imposta não poderia subsistir, porque havia apenas informado a população sobre determinado fato, transmitido sem má-fé.
 Comenta que os demandantes procuraram alardear o episódio para dar mais gravidade ao fato. Conclui que não poderia ser condenada por desempenhar a função social que à imprensa cabe exercer. Por isto requer que se dê provimento ao recurso, para se declarar improcedente o pedido condenatório.
 Assentado está que os autores eram advogados do empregado Antônio da Silva na reclamação trabalhista n.1336/91. O empregado apresentou o cálculo de liquidação que atingia a quantia de R$ 2.713,71 (f. 26-32). O perito-contador, porém, chegou ao valor de R$ 519,73 (f. 19-24), em razão de que, em audiência, as partes se compuseram, quando se definiu que o reclamante receberia da outra parte o valor de R$ 500,00 (cf. f. 18), sendo que ao reclamante foi repassada a quantia de R$ 350,00, e o montante de R$ 150,00 foi pelos advogados retido a título de honorários.
 Também assentado se acha que o radialista da Rádio Capital leu no ar carta a ele envida por aquele reclamante, na qual ele afirmava que seus advogados haviam recebido R$ 2.700,00 na reclamação movida ao empregador daquele, os quais, no entanto, só lhe repassaram a quantia R$ 350,00. Comentando a carta, o radialista afirmou que o caso parecia apropriação indébita, um roubo (f. 129-131).
 A sentença reconheceu que a leitura da carta, com os nomes dos autores-apelados e com os comentários feitos, denegriu a honra destes, ofendeu-lhes a moral, por isto que impôs a condenação de que se apela (f. 216-218). Segundo o recurso, o jornalista limitara-se em fazer a leitura da carta do ouvinte e que nenhuma ofensa à honra dos demandantes havia cometido e até havia comentado que o remetente da carta poderia não ter considerado eventual troca de moeda, de modo que o cliente dos advogados poderia estar equivocado quanto ao valor por eles recebido e o repassado ao cliente. Assim, nenhum dano moral teria provocado, de modo que a indenização seria descabida.
 Ocorrência do dano moral.
 Manifesta é a importância dos meios de comunicação no meio social. Não há sociedade sem comunicação. A história do homem é a história de sua comunicação com os demais; é a história da luta entre idéias; é a história do que pensa o ser humano. Impossível imaginar o homem hoje sem o trabalho da imprensa, que informa, esclarece e permite que as pessoas formem-se e possam crescer individualmente. Valiosa, pois, sua atividade no sistema democrático para divulgação de idéias pluralistas.
 Tal é essa importância, que o ordenamento jurídico protege a informação amplamente, a teor, por exemplo, do que dispõe o art. 5º, XVI da Constituição Federal ("é assegurado a todos o acesso à informação..."), bem assim o § 1º do art. 220 do mesmo diploma ("Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social..."). Além disto, o inciso IX do mesmo art. 5º, da referida Constituição dispõe ser "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura". Vê-se, pois, como o texto constitucional é pródigo na defesa da liberdade de imprensa e de informar.
 No entanto, o mesmo texto constitucional também garante o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, CF), que não têm menor importância que do aqueles direitos.
 É sabido que do exercício desses direitos (de informar, de um lado e, de outro, o direito à honra) pode haver conflitos. Se a Constituição protege a ambos, nenhum deles pode ser anulado para que prevaleça o outro. E, se isto não pode fazer o legislador, isto é, se não lhe é dado proteger um direito em detrimento do outro, também isto não pode fazer o Poder Judiciário. É preciso, pois, contrabalançar o exercício desses dois direitos, por forma a que um não elimine o outro.
 Assim, se não se pode tomar medida que embarace o direito dos órgãos de comunicação de informarem, também isto não pode ser pretexto para que, no exercício da atividade informativa, esses órgãos violem direitos individuais dos cidadãos. E, se não pode haver censura prévia à notícia, nada impede que diante de notícia ofensiva à honra de alguém, verificando-se ser ela de menor utilidade para a população que o dano que ela pode produzir na pessoa, seja impedida sua veiculação ou seja esta autorizada sem referência ao nome de quem pode ser por ela ofendido. Por igual, produzido o dano, não fica livre de o indenizar quem deu causa ao resultado danoso, que se não pode escusar pelo exercício de seu direito.
 É certo que os meios de comunicação têm por missão informar sobre práticas delituosas, para alertar a população a contra elas precatar-se. Parece, no entanto, que extravasa o direito de informar a notícia que, antes da condenação, exponha ao público a imagem ou a identidade do suposto autor do delito. A propagação disto pode trazer-lhe dano irreparável, mesmo porque podem os indícios, por mais veementes que sejam contra tal pessoa, não vir a se confirmar. No entanto, depois de associados a imagem e o nome da pessoa a certo fato delituoso, talvez nunca mais ela recupere as perdas daí decorrentes, ainda que depois se constate sua inocência. A propósito, cabe recordar o que aconteceu com diretores da Escola de Educação Infantil Base, acusados de abusos sexuais contra seus alunos, que tiveram que encerrar suas atividades para, só muito mais tarde, verificar-se que as denúncias eram improcedentes. A divulgação da notícia, que depois se constatou não ter sustentação, arruinou a vida de pessoas inocentes, cuja reparação pecuniária, quiçá, jamais compensará toda a dor por elas experimentada. No caso, foram mães que prestaram informação não verdadeira, mas foi a imprensa que lhe deu a dimensão que o caso teve depois. Recentemente os meios de comunicação informaram das condenações por danos morais que o caso tem ensejado.
 No caso dos autos, como está assentado, num programa de rádio da apelante noticiou-se que os advogados-autores haviam recebido certa importância numa reclamação trabalhista e dela repassaram ao cliente quantia muito menor. Afirmou-se que tal atitude representaria uma apropriação indébita, um roubo. É verdade que o locutor comentou que o caso poderia não se ter-passado do modo como a carta do ouvinte afirmava, que o direito deste, convertida a moeda eventualmente trocada, poderia representar o valor a que ele teria direito e por ele recebido. Mas, mencionou os nomes dos advogados que estavam sendo acusados e comentou das muitas denúncias que o programa vinha recebendo envolvendo advogados. Deixou no ar, portanto, que os advogados denunciados pelo cliente poderiam mesmo ter cometido o crime.
 Assim, as informações transmitidas pelo radialista da apelante feriram, sem dúvida, a honra dos autores, o que, aliás, restou confirmado durante a instrução do processo. Na audiência confirmou-se que a notícia provocou grande corrida de clientes dos advogados a seu escritório, que queriam saber de seus processos e para ver se por eles tinham sido também lesados. Com efeito, consoante depoimento prestado por Salete Maria Leal Pereira acerca das notícias transmitidas pela Rádio Capital (f. 183), "os requerentes foram citados nominalmente, mais de uma vez, e os fatos tiveram grande repercussão na época". Disse ainda que à data do ocorrido "era o último dia de trabalho antes do recesso da Justiça do Trabalho e vários advogados que estavam nas Juntas de Conciliação no período vespertino comentaram o fato".
Atestou ainda a depoente que "os requerentes ficaram abalados com o episódio até porque vários de seus clientes foram ao escritório deles acreditando que eles haviam recebido valores e deixado de repassar ditos valores aos clientes", além de ter afirmado que os advogados "têm grande atuação na área trabalhista e sempre tiveram reputação ilibada".
 Ainda em seu depoimento, ressaltou a depoente que o nível intelectual, cultural e econômico da grande maioria das pessoas que se envolvem em lides trabalhistas não é elevado, sendo que é comum serem ouvintes de programas populares transmitidos pelo rádio. Desta feita, inegáveis são os efeitos deletérios que o programa ocasionou aos autores, efeitos estes aptos o bastante para abalar o conceito e o crédito de tais profissionais da área do direito diante da opinião pública.
 Por sua vez, afirmou a depoente Suziley dos Santos Silva (f. 185) que, no dia do ocorrido, ter ído ao escritório dos demandantes e lá ter encontrado cerca de 8 a 10 clientes, envolvidos num clima tenso, pois "queriam saber o número de seus processos para verificarem na Junta".
 A última das testemunhas, cliente dos advogados-autores, afirmou (f. 187) que devido ao noticiado, "foi até o escritório deles, onde já havia vários outros clientes preocupados, imaginando-se lesados e que ali estavam para conversar com os requerentes". Disse ainda ter ido "até a Justiça do Trabalho para verificar pessoalmente como estava o seu processo".
 Afirmou ainda que "o clima no escritório era pesado, porque as pessoas que ali compareceram estavam preocupadas e algumas exaltadas, imaginando-se lesadas".
 É, pois evidente o dano que decorre do fato de os nomes dos advogados-autores terem sido ligados à prática de fatos delituosos. Acresce ainda que o dano se mostra tanto mais visível, quanto se verifica que o programa de audiência popular é ouvido, mui o especialmente, por pessoas que costumam ter problemas na área trabalhista em que atuavam os causídicos.
 Especialmente lesiva se mostra a notícia, no caso não verdadeira (cf. f. 19 e 18), dado o seu caráter destruidor da confiança. Como bem ressaltou o magistrado:
 "As provas juntadas aos autos demonstram que a narração da denúncia de um cliente, sem averiguação da veracidade dos fatos, importou em ofensa à reputação dos requerentes, uma vez que durante o programa, o locutor tece comentários no sentido de que os requerentes teriam se apropriado de dinheiro devido a um cliente" (f. 217).
 De fato, foi leviana a leitura da carta do ouvinte, com menção aos nomes dos advogados, sem que tenha sido averiguada a veracidade dos fatos ofensivos nela mencionados.
 Indubitável que houve ofensa à honra dos demandantes, bem jurídico protegido pela lei que não pode ser impunemente violado. Daí por que, a meu juízo, a condenação imposta pela sentença recorrida deve prevalecer. O argumento da ré de que o locutor não agiu com má-fé ao transmitir as informações, que não houve o animus injuriandi e que estava apenas a desempenhar o seu papel junto à sociedade, é certo que excedeu seu direito de informar no momento em que noticiou matéria inverídica e ofensiva. E, se, apesar das "boas intenções", causou ela dano, deve compensá-lo.
 É certo que informação não verdadeira, que denigre a imagem de pessoa de bem, repercute de forma negativa para o ofendido. In casu, o conceito dos advogados que foram indevidamente acusados, ainda que a acusação não tenha partido do jornalista, mas foi por ele veiculada, por certo restou abalado.
 Ademais, infere-se das certidões acostadas às f. 77 e 78 que os apelados nunca tinham sofrido penalidade administrativa perante seu órgão de classe, de modo que a notícia veio a manchar a honra dos demandantes.
 Sendo assim, a meu ver, a alegação da apelante de que apenas cumprira a sua função social não procede. O exercício da liberdade de informação pelos meios de divulgação social não pode ultrapassar os limites do direito de crítica, esclarecimento e instrução da população, mas sem ofensas indevidas, que representam abuso. No caso dos autos, caracterizou-se o abuso a partir da ofensa à honra dos demandantes, com a imputação falsa de fato definido como crime.
 Não há aqui, frise-se, qualquer censura em desfavor de uma imprensa livre, que é, sabidamente, imprescindível para o fortalecimento das instituições democráticas e para o aperfeiçoamento da vida em sociedade. Entretanto, a liberdade jornalística não é ilimitada, impendendo realçar que não há direito intangível ou sem restrições. Sobre o assunto, manifesta-se Guilherme Döring Cunha Pereira:
 "Entre os bens que podem ser atingidos por uma notícia falsa avulta a honra. Poucas coisas são mais prezadas do que a consideração, o respeito e a estima dos concidadãos. E são precisamente esses valores que uma mentira pode facilmente extinguir. Boa parte das pessoas acredita levianamente em qualquer ato demeritório que se atribua a um semelhante.
 A ampla difundibilidade de que está dotada qualquer informação, incluindo sobretudo a falsa, encontra terreno muito amplo para se espraiar. É muito grande o poder destruidor de uma falsidade lançada contra o nome de alguém. Esse poder é grande, mesmo que não seja elevado o número de pessoas a quem se deu conhecimento dos fatos denegridores" (Liberdade e Responsabilidade dos Meios de Comunicação, Editora RT, 2002).
 E continua:
 "É útil observar ainda que o atentado à veracidade decorre não apenas de afirmações positivamente falsas, mas também, e às vezes de forma mais nociva, de insinuações, de juízos lançados em tom de dúvida, de suspeitas etc. quando os fatos a que se referem são falsos".
 (...)
 "Igualmente, é de se observar que, para a proteção da honra, o que importa é a veracidade do fato objeto da notícia como fato em si, independentemente do seu conteúdo. Por isso reproduzir uma calúnia ou difamação, ainda que ressalvando que não se tem certeza acerca do que disseram, é, na generalidade dos países, equiparado à própria calúnia ou difamação".
 Destarte, como escorreitamente alinhou o magistrado (f. 217), "a simples divulgação da suposta denúncia do cliente no programa de rádio, com a indicação dos nomes dos requerentes, configurou um dano à sua reputação como profissionais da área do direito" e, segundo se depreende, causou constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativos e funestos.
 Cabe ainda anotar que a obrigação de reparar o dano provocado não desapareceria ainda que fossem verdadeiras as afirmações pronunciadas no programa de rádio: verdadeiras ou falsas, o locutor não tinha o direito de irrogar ofensas aos advogados e, tendo-o feito, de modo a causar dano moral, deve repará-lo.
 Valor da indenização.
 Segundo os autores, por meio do recurso adesivo interposto (f. 232-243), a quantia equivalente a 100 salários mínimos revela-se insuficiente para minimizar a dor por eles experimentada. Alegam ainda ser salutar que, para se evitar que a ré continue a agir dessa maneira, que o valor da indenização seja arbitrado em 250 salários mínimos para cada um.
Tenho para mim que também esse recurso não merece provimento.
 Bem alinhou o sentenciante quando anotou (f. 218):
 "Entende-se, destarte, que para a fixação do valor da indenização deve ser levada em consideração a situação da vítima e do agressor, ou seja, para se estabelecer o valor devido, deve-se considerar a posição do agressor e agredido na comunidade de que fazem parte, a repercussão dos fatos na sociedade como um todo e a capacidade financeira das partes".
 De fato, para se fixar o valor do dano moral, é preciso ter presente que não há avaliar o pretium doloris e que não há, mediante retribuição pecuniária, recompor a situação anterior à ofensa moral. Isto, no entanto, não impede o arbitramento de algum valor, que terá parâmetros diversos dos existentes para indenização do dano material. Tratando do tema, Caio Mário da Silva Pereira escreve:
 "A idéia da reparação, no plano patrimonial, tem o valor de um correspectivo, e liga-se à própria noção de patrimônio. Verificado que a conduta antijurídica do agente provocou-lhe uma diminuição, a indenização traz o sentido de restaurar, de restabelecer o equilíbrio, e de reintegrar-lhe a cota correspondente ao prejuízo. Para a fixação do valor da reparação do dano moral, não será esta a idéia-força. Não é assente na noção de contrapartida, pois que o prejuízo moral não é suscetível de avaliação em sentido estrito. E tão remoto deve ser o conceito de restabelecimento de valores que a jurisprudência francesa tem sido às vezes informada pela tendência de considerar meramente simbólica a reparação por dano moral, com a singela condenação do agente na quantia de um franco. Não há, contudo, razão para que assim se proceda. Apagando do ressarcimento do dano moral a influência da indenização, na acepção tradicional, como técnica de afastar ou abolir o prejuízo, o que há de preponderar é um jogo duplo de noções: a) De um lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia; não se trata de imiscuir na reparação uma expressão meramente simbólica, e, por esta razão, a sua condenação não pode deixar de considerar as condições econômicas e sociais dele, bem como a gravidade da falta cometida, segundo um critério de aferição subjetivo; mas não vai aqui uma confusão entre responsabilidade penal e civil, que bem se diversificam; a punição do ofensor envolve uma sanção de natureza econômica, em benefício da vítima, à qual se sujeita o que causou dano moral a outrem por um erro de conduta. b) De outro lado, proporcionar à vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é o pretium doloris, porém uma ensancha de reparação da afronta; mas reparar pode traduzir, num sentido mais amplo, a substituição por um eqüivalente, e este, que a quantia em dinheiro proporciona, representa-se pela possibilidade de obtenção de satisfações de toda espécie, como dizem Mazeaud et Mazeaud, tanto materiais quanto intelectuais, e menos morais. c) A essas motivações acrescenta-se o gesto de solidariedade à vítima, que a sociedade lhe deve (Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil; Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade Civil). Em doutrina, conseqüentemente, hão de distinguir-se as duas figuras, da indenização por prejuízo material e da reparação do dano moral: a primeira é reintegração pecuniária ou ressarcimento stricto sensu, ao passo que a segunda é sanção civil direta ao ofensor ou reparação da ofensa, e, por isto mesmo, liqüida-se na proporção da lesão sofrida. d) Em terceiro lugar, a reparação por dano moral envolve a idéia de solidariedade à vítima, em razão da ofensa que sofreu a um bem jurídico lesado pelo agente.
 "E, se em qualquer caso se dá à vítima uma reparação de damno vitando, e não de lucro capiendo, mais que nunca há de estar presente a preocupação de conter a reparação dentro do razoável, para que jamais se converta em fonte de enriquecimento." ("Instituições de Direito Civil", vol. II. 15ª ed. Forense de 1997, p. 242-3).
 Araken de Assis também trata do assunto, sobre que faz as seguintes considerações:
"... A vítima de uma lesão a alguns daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes do seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.
 Como se nota, a aplicação do art. 1553 do Cód. Civil exige do órgão judiciário, a um só tempo, prudência e severidade.
 prudência consistirá em punir moderadamente o ofensor, para que o ilícito não se torne, a este título, causa de ruína completa. Mas, em nenhuma hipótese, deverá se mostrar complacente com o ofensor contumaz, que amiúde reitera ilícitos análogos." (in "Indenização do Dano Moral", artigo publicado na RJ nº 236, jun/97, pág. 5).
Também a jurisprudência tem fornecido elementos para o arbitramento do dano moral. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, teve ocasião de anotar:
Na fixação do quantum referente à indenização por dano moral, não se encontrando no sistema normativo brasileiro método prático e objetivo, o juiz há que considerar as condições pessoais de ofensor e ofendido; grau de cultura do ofendido; seu ramo de atividade; perspectivas de avanço e desenvolvimento na atividade que exercia, ou em outra que pudesse vir a exercer; grau de suportabilidade do encargo pelo ofensor; e outros requisitos que, caso a caso, possam ser levados em consideração. Requisitos que há de valorar com critério de justiça, com predomínio do bom senso, da razoabilidade e da exequibilidade do encargo a ser suportado pelo devedor. Quantum que nem sempre deverá ser inferior ao do dano patrimonial, eis que a auto-estima, a valoração pessoal, o ego, são valores humanos certamente mais valiosos que os bens meramente materiais ou econômicos. Inconformidade com a sentença que fixou o montante da indenização por dano moral  (Ap. 592066575, 23.11.93, 6ª CC TJRS, rel. Des. Osvaldo Stefanello, in JTJRS 163/261).
Este Tribunal sul-mato-grossense, a seu turno, assentou o seguinte:
O arbitramento da indenização por dano moral deve ser moderado e eqüitativo, atento às circunstâncias de cada caso, evitando-se que a dor se converta em instrumento de captação de vantagem. Os critérios a se observar são: a condição pessoal da vítima, a capacidade econômica do ofensor, a natureza e a extensão do dano moral. Fixa-se a indenização por dano moral, no caso, no valor correspondente a 100 (cem) salários mínimos, a ser pago de uma só vez (Ap. 51.521-3, 2ª TCTJMS, rel. Des. José Augusto de Souza, in DJMS 6.6.97, p.7).
No caso destes autos, o que se verifica é que a veiculação da notícia foi feita por uma emissora de rádio, que, assim, propaga-se a número indeterminado de pessoas. Entrementes, consoante entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, a tarifa prevista pela lei de Imprensa (Lei 5.250/67), por meio dos artigos 51 e 52, não foi recepcionada pela Constituição Federal, conforme se depreende do julgamento dos Recursos Especiais nº 72343 e nº 218241 (ambos da lavra do Min. Aldir Passarinho Júnior) e nº 168.945 (Min. Antônio de Pádua Ribeiro), de sorte que o valor da indenização por danos morais não está sujeito aos limites nela previstos.
 magistrado não se prendeu a esses limites, tendo arbitrado os danos morais em valor que se mostra razoável para as circunstâncias: não é elevado, mas também não é pequeno. A mim parece que o montante estabelecido pune com justiça o ofensor, que permitiu a propagação da notícia ofensiva, e razoavelmente retribui a dor experimentada pelos ofendidos. Não há reparos, pois, a fazer ao valor arbitrado.
Ainda que tem crescido o entendimento de que tal indenização não deveria ser fixada em salários mínimos, como foi, contra isto ninguém se insurgiu, não parecendo que de ofício a matéria deva ser revista.
Conclusão.
Resumindo e concluindo, voto no sentido de se negar provimento a ambos os recursos.
DECISÃO
 
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
 
A TURMA, POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.
 
Presidência do Exmo. Sr. Des. Hildebrando Coelho Neto.
 
Relator, o Exmo. Sr. Des. Jorge Eustácio da Silva Frias.
 
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Jorge Eustácio da Silva Frias, Ildeu de Souza Campos e Josué de Oliveira.
 
Campo Grande, 2 de março de 2004.
 
Primeira Turma Cível
 
E M E N T A -   APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - LEITURA DE CARTA DE OUVINTE EM PROGRAMA DE RÁDIO - MATÉRIA OFENSIVA - DANO MORAL CONSUMADO - RESPONSABILIDADE DA EMISSORA PELA PROPAGAÇÃO DO MATERIAL QUE DENIGRE A HONRA DA PESSOA NOMINADA - VALOR ARBITRADO DE MANEIRA A PUNIR QUEM VEICULOU A MATÉRIA E PARA RETRIBUIR DE MODO RAZOÁVEL A OFENSA - RECURSOS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
 
A emissora de rádio que permite a leitura de carta de ouvinte, ofensiva da honra de alguém, responde pelo dano moral decorrente da propagação da notícia. Não é dado ao jornalista, a pretexto de informar, transmitir impunemente matéria ofensiva da honra das pessoas.
Se a emissora, com a transmissão, ofende a honra de alguém, responde pelos danos morais provocados.
 
Revela-se razoável o valor arbitrado quando se mostra adequado para apenar a conduta do lesante e para retribuir a dor experimentada pelo ofendido.
 
< iv align="justify">A  C  Ó  R  D  à O
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento a ambos os recursos.
 
Campo Grande, 2 de março de 2004.
Des. Hildebrando Coelho Neto - Presidente
Des. Jorge Eustácio da Silva Frias - Relator
Extraído do saite www.espacovital.com.br

 

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