OAB Subseção Cruz Alta
Sexta-Feira, 26 de abril de 2024

DIREITO PROCESSUAL

17 de abril de 2007.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA DOS ATOS PROCESSUAIS POR MEIOS ELETRÔNICOS

Sumário.
1. Introdução; 1.1. Visão panorâmica das recentes alterações; 2. Dos atos processuais por meios eletrônicos; 2.1. O problema de reformas parciais; 2.2. Leitura do artigo 154 do Código de Processo Civil; 2.3. Da utilização dos meios eletrônicos; 2.4. A necessidade da utilização dos meios eletrônicos; Conclusão; Bibliografia.

 
1. Introdução.
Advertência inicial. Nosso intento não é tecer grandes feitos doutrinários, mas sim içar o assunto à discussão, tecendo algumas linhas sobre a prática dos atos processuais por meios eletrônicos.
Foi na seara do inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, que preceitua – “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, que foram aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República novas leis almejando dar maior efetividade e celeridade à prestação jurisdicional.
 
1.1. Visão panorâmica das recentes alterações.
Lei n. 11.187, de 19/10/2005; Lei n. 11.232, de 22/12/2005; Lei n. 11.276, de 07/02/2006; Lei n. 11.277, de 07/02/2006; Lei n. 11.280, de 16/02/2006; Lei n. 11.341, de 07/08/2006; Lei n. 11.382, de 06/12/2006; Lei n. 11.417, de 19/12/2006; Lei n. 11.418, de 19/12/2006; Lei n. 11.419, de 19/12/2006; Lei n. 11.441, de 04/01/2007.
 
2. Dos atos processuais por meios eletrônicos.
CPC, art. 154.  Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
Parágrafo único. Vetado (VETADO).
§ 2º Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei. (Incluído pela Lei n. 11.419, de 2006).
 
2.1. O problema das reformas parciais.
Este é um típico problema das reformas parciais. O veto contido no parágrafo único do artigo 154 foi uma tentativa de adequar a redação da Lei n. 11.419/2006 à Lei n. 11.280/2006.
Desta forma, vamos entender. Originariamente o artigo 154 do CPC não continha parágrafo único. Foi a Lei n. 10.358/2001 que o acrescentou a sua redação, porém, na sanção presidencial, foi vetado. Alguns anos depois, em 2006, com a Lei n. 11.280, o parágrafo único foi incluído. Acontece que, no mesmo período, entrou em tramitação no Congresso o projeto de lei que originou a Lei 11.419/2006 – o Legislador não se atentou ao fato que a Lei n. 11.280/2006 havia alterado um dispositivo que o seu projeto de lei estava tratando.
Curiosamente, a redação da Lei n. 11.419/2006, traz um parágrafo 2º, sem existir o 1º, pois como vimos acima, o Legislador estava trabalhando com um projeto de lei que continha a redação vetada do parágrafo único.
Pois bem, feita a ressalva, o artigo 154 do Código de Processo Civil deverá ser lido assim :
CPC, art. 154.  Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil. (Incluído pela Lei n. 11.280, de 2006).
§ 2º Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei. (Incluído pela Lei n. 11.419, de 2006).
 
2.2. Leitura do artigo 154 do Código de Processo Civil.
Como bem ressalva Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia, alguns atos processuais já eram realizados por meios eletrônicos nos moldes estabelecidos nas Leis ns. 9.800/1999 (que permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais) e 10.259/2001 (que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal).
Todavia, foi a Lei n. 11.280, de 16 de fevereiro de 2006 que incorporou expressamente no Código de Processo Civil a possibilidade da utilização de meios eletrônicos para a prática e a comunicação dos atos processuais nos Tribunais.
Deste modo, o dispositivo permite que os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, disciplinem sobre a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, desde que atendidas as exigências e os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil.
Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery – “ICP – Brasil é um conjunto de técnicas práticas e procedimentos a ser implementado pelas organizações governamentais e privadas brasileiras com o objetivo de estabelecer os fundamentos técnicos e metodológicos de um sistema de certificação digital baseado em chave pública”. [...] “A chave pública é instrumento destinado a garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações habilitadas que utilizam certificados digitais, bem como a realização ou transações eletrônicas seguras”.
Alguns meses depois a Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, acrescentou o parágrafo 2º ao artigo 154 do CPC, desta forma, todos os atos e termos processuais poderão ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico.
Cumpre ressaltar que não basta apenas a previsão legal sobre a informatização do processo judicial – para que tudo se realize; há necessidade de mudanças efetivas nos mecanismos e na estrutura do Poder Judiciário, para que o processo eletrônico não se torne uma nova frustração, por sua ineficiência.
 
2.3. Da utilização dos meios eletrônicos.
Como já dissemos, a Lei n. 11.419/2006 dispõe sobre a informatização do processo judicial, portanto, vejamos alguns pontos da Lei:
Possibilidade e definições.
O artigo 1º incorpora a possibilidade da utilização de meios eletrônicos na tramitação de processos judiciais, na comunicação de atos e na transmissão de peças processuais nos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, e em qualquer grau de jurisdição.
Traz, ainda, alguns conceitos e definições legais, tais como: a) meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais; b) transmissão eletrônica toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores; c) assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário: i) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica; ii) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.
Utilização dos meios eletrônicos.
Para a utilização dos meios eletrônicos, tem-se a necessidade, por parte do usuário, de prévio credenciamento no Poder Judiciário. “O credenciamento no Poder Judiciário será realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado” (par. 1º do art. 2º).
Prazos.
O artigo 3º estabelece o início e o fim do prazo processual para atos praticados por meio eletrônico. “Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico”.
Sendo “a petição eletrônica enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia”.
“Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação”. (parágrafo 4º do artigo 4º).
“Se o Sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por motivo técnico, o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema”. (parágrafo 2º do artigo 10 desta lei).
Comunicação eletrônica dos atos processuais.
Todas as formas de comunicação dos atos processuais poderão ser feitas por meio eletrônico, e todas as comunicações oficiais deverão ser feitas preferencialmente, por meio eletrônico.
Os documentos digitalizados.
“Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais”. (art. 11, caput).
A conservação e proteção dos autos.
“A conservação dos autos do processo poderá ser efetuada total ou parcialmente por meio eletrônico”. (art. 12, caput).
“Os autos dos processos eletrônicos deverão ser protegidos por meio de sistemas de segurança de acesso e armazenados em meio que garanta a preservação e integridade dos dados, sendo dispensada a formação de autos suplementares”. (art. 12, par. 1º).
Prevenção, litispendência e coisa julgada.
Os sistemas buscarão identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada. (art.14).
A armazenagem dos documentos.
“Os livros cartorários e demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário poderão ser gerados e armazenados em meio totalmente eletrônico” (art. 16) – o que é imprescindível, pois economiza espaço físico, e agiliza sua localização.
 Convalidação dos atos já praticados.
“Ficam convalidados os atos processuais praticados por meio eletrônico até a data de publicação desta Lei, desde que tenham atingido sua finalidade e não tenha havido prejuízo para as partes”. (art. 19).
Por fim cumpre ressaltar, que  os órgãos do Poder Judiciário deverão regulamentar esta Lei.
 
2.4. A necessidade da utilização dos meios eletrônicos.
As alterações trazidas pelas novas leis vieram em excelente hora – por dois motivos: Primeiro. A crise de Poder Judiciário e a morosidade da prestação jurisdicional; e Segundo. A crescente inclusão dos meios eletrônicos em nosso cotidiano.
Não é de hoje que pregamos a utilização dos meios eletrônicos na prestação jurisdicional. E como já dissemos e defendemos em outras oportunidades, o Operador Jurídico tem de estar preparado para enfrentar uma nova sociedade, entendendo a complexidade das relações, trabalhando com os novos mecanismos e com as futuras tendências de um mundo globalizado – não podemos ficar presos a reminiscências.
O profissional do Direito não pode se fechar diante de tais inovações, deve compreender sua importância na luta para uma tutela jurisdicional mais célere e efetiva.
 
Conclusão.
“En el processo el tiempo es algo más que oro: es justicia”
Eduardo Juan Couture.
 
E como dissemos anteriormente, não basta simplesmente a previsão legal sobre a informatização do processo judicial, existem evidentes necessidades de mudanças no Poder Judiciário, para que o processo eletrônico não se torne uma nova frustração.
Assim sendo, estas linhas ficam dirigidas aos Colegas (estudantes) para não se fecharem a velhos dogmas e a argumentos pacóvios; e não se esquecendo que é de salutar importância que sejam participantes ativos no aperfeiçoamento das normas processuais, criando-se núcleos de estudos para melhor utilização dos meios tecnológicos e sua inserção no campo legislativo processual - e não se fechando a velhos dogmas.
Nosso cordial Vale.

Alencar Frederico - Advogado, Mestrando em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba, Especialista em Direito Processual Civil e em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de Itu, consultor, parecerista, e articulista de revistas jurídicas nacionais e estrangeiras. Autor das obras: “A nova reforma do Código de Processo Civil – Séries 1 e 2”; “Leis civis anotadas” – todas publicadas pela Millennium Editora; “A morosidade da prestação jurisdicional” – publicada pela Setembro Editora; co-autor da obra: Processo Civil – teoria e prática do profissional do Direito; e atualizador da obra: Dicionário Jurídico de bolso. Membro honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil e Membro do Conselho Editorial da Millennium Editora.
 

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