OAB Subseção Cruz Alta
Quinta-Feira, 28 de março de 2024

Juros: existem limites?

12 de março de 2006.

Juros: existem limites?


05/03/2005
 
Fábio Cenci Advogado especialista em Direito Bancário
Pós-graduando em Direito Processual Civil
Sócio do escritório Cenci Advogados
www.cenciadvogados.adv.brAdvogado especialista em Direito Bancário
Pós-graduando em Direito Processual Civil
Sócio do escritório Cenci Advogados
www.cenciadvogados.adv.br

O tema deste artigo aguça, e muito, a curiosidade das pessoas, mormente daquelas que não guardam conhecimentos específicos em economia, como por exemplo, juros. Todavia, tal questão será enfocada do ponto de vista jurídico.

Inicialmente, vale destacar a Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1.916, também denominada de Código Civil, artigos 1.062 ao 1.064 (“juros legais”). Tal ordenamento tratava dos juros da mora (incidentes quando do atraso no pagamento da obrigação) ou ainda, os juros remuneratórios (lucro auferido na operação) quando as partes deixassem de pactuar seu percentual. Em ambos os casos, o Código Civil limitava tal percentual em 6% ao ano, ou seja, 0,5% ao mês.

Ainda no antigo Código Civil, o legislador autorizou, quando da confecção de um contrato de empréstimo de dinheiro, a estipulação de taxa superior à acima identificada, desde que existisse previsão contratual.

Passados quase 20 anos, mais exatamente no dia 7 de abril de 1933, o assunto em pauta ganhou incremento legislativo, com a edição da famosa “Lei de Usura” (Decreto 22.626/33).

Logo em seu primeiro artigo, o legislador afirma que será punido, nos termos da lei, aquele que cobrar juros acima do dobro do previsto no Código Civil. Deduz-se, então, que será tratado como criminoso aquele que cobrar juros superiores a 12% ao ano, ou 1% ao mês. Ainda, o artigo 4º do estudado Decreto afirma que é vedada a cobrança de juros de juros, prática tecnicamente denominada anatocismo, amplamente utilizada em qualquer negociação bancária como, por exemplo, no cheque especial.

Ocorre que, em 1964, o Governo Federal editou uma lei, a chamada lei das instituições financeiras, (Lei 4.595/64), que criou o sistema financeiro nacional, com um único intuito dar às instituições financeiras um tratamento especial no que se refere à cobrança de juros, frente às limitações da “Lei da Usura”.

Este novo normativo legal afirma (inciso IV do art. 4º) que cabe ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras, repita-se LIMITAR, que é diferente de LIBERAR.

Diante desta singela explanação, fica claro que o ordenamento jurídico brasileiro trata os juros de duas formas: a primeira delas destinada aos “meros mortais” e a outra voltada somente para bancos, instituições financeiras e cooperativas de crédito.

Na primeira, todos as pessoas físicas e jurídicas devem respeitar as limitações previstas no antigo Código Civil, quando de sua vigência, e na Lei da Usura, sob as penas do decreto antes identificado (prisão de seis meses a um ano – crime de usura). Na segunda, bancos, financeiras e cooperativas de crédito podem cobrar juros acima do patamar elencado, tanto pelo Código Civil, como pela Lei da Usura.

Com a promulgação da Constituição da República, este assunto novamente foi levado à discussão, e ganhou nova regulamentação. O §3º do art. 192 afirmava contundentemente que a taxa máxima de juros que poderia ser cobrada no País era a de 12% ao ano, sendo criminoso quem a violasse. Dizia ainda, que a punibilidade desta violação deveria ser regulamentada através de Lei Complementar.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal colocou de lado a aplicabilidade imediata desta norma, tendo em vista o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade número 4, decidindo que o limite previsto na constituição não era auto-aplicável (carecia de regulamentação, via lei complementar).

Discordo do entendimento da Suprema Corte Pátria, vez que, o que carecia de regulamentação era somente a punibilidade a quem infringisse o teto estabelecido. O limite máximo já se encontrava devidamente auferido, não podendo ser objeto da necessária Lei Complementar novo limite, mas tão somente, como já dito, a punição a quem o violasse os 12% em caráter anual.

Todavia tal limitação foi definitivamente sepultada em maio de 2003, tendo em vista Emenda Constitucional de número 40, que revogou a integralidade do dispositivo Constitucional em estudo.

O Novo Código Civil igualmente tratou deste assunto em alguns artigos, mas partindo-se da premissa que a lei especial (lei das instituições financeiras) se sobrepõe à lei geral (Código Civil, quando ambos normativos regulamentam situações semelhantes), tal normativo não influencia as relações de crédito havidas junto às instituições financeiras.

Contudo, vale salientar que os juros moratórios, que antigamente eram limitados em 0,5% ao mês, pela dicção do art. 406 do Novo Código, terão como indexador a mesma taxa que atualiza os débitos da Fazenda Nacional, qual seja, Taxa Selic.

O Novo Código limitou a cobrança de juros remuneratórios aos “meros mortais”, na mesma taxa dos juros moratórios, qual seja, Taxa Selic, nos moldes do previsto no art. 591.

Os bancos, por determinação legal, art. 17 da lei das instituições financeiras, são empresa que trabalham na intermediação de capital, recebendo e repassando numerário. Todavia, existe um custo para isso, denominado de spread bancário, que nada mais é que a diferença entre o que o banco paga para captar numerário (caderneta de poupança, CDB, fundos de renda, fixa/variável, dentre outras modalidades), em detrimento do custo cobrado quando do empréstimo a quem os procura (cheque especial, financiamentos, capital de giro, etc).

Exemplificando: o banco paga ao cliente, quando este investe seu dinheiro, por exemplo em CDB, o percentual que pode atingir 1,5% ao mês. Já quando empresta este mesmo dinheiro a título de cheque especial, cobra do cliente algo em torno de 7% a 10% em caráter mensal. Salta aos olhos a enorme diferença, quando da “compra” do dinheiro, se comparada ao valor da “venda” deste mesmo numerário.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou Súmula de número 297, que põe fim a uma briga travada junto aos tribunais desde a edição do Código de Defesa do Consumidor. De um lado, as instituições financeiras afirmam que este normativo não se aplica às relações de concessão de crédito, visto que, o financiado não é o consumidor final do negócio em questão. Do outro, os clientes que defendiam fervorosamente a aplicação desta lei, quando da contratação de empréstimos de dinheiro.

As decisões perante os Tribunais Estaduais não eram uniformes, pendiam para ambos os lados, contudo, com mencionada Súmula, pacificada está a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas relações havidas entre clientes e instituições financeiras.

Citado normativo legislativo é muito claro ao vedar a utilização do poder econômico no intuito de auferir vantagem indevida por um dos contratantes (art. 51, IV e §1º, I e III).

Além disso, existe uma Lei Ordinária datada de 1951, de número 1.521, onde o artigo 4º letra “b”, afirma ser crime, ou seja, ilegal, a obtenção de lucro, valendo-se, dentre outras coisas, da premente necessidade da outra parte, superior a 1/5 ao valor da negociação envolvida.

Limitações, além das elencadas, encontram-se prevista na Constituição da República, tendo em razão do §4º do art. 173, que veda o abuso do poder econômico, no intuito do aumento de lucro.

Já o Novo Código Civil, recentemente promulgado, codificou alguns institutos de ordem contratual que, mesmo não previstos em lei, tanto a doutrina como a jurisprudência já o respeitavam, a título de cláusulas gerais, dentre outras palavras, são princípios que, além dos elencados pela Lei Civil, deverão ser respeitados pelos contratantes, quais seja, a probidade e a boa fé (artigo 422).[1]

Será que uma pessoa, quando da necessidade de obter crédito (obrigação legal das instituições financeiras, nos termos do art. 17 da lei 4595/64), tem muitas opções, senão submeter-se aos termos impostos pelas instituições financeiras?

Ou ainda, se o cliente, ao passar por uma crise financeira passageira, e precisar valer-se do limite de cheque especial, pode dirigir-se ao gerente de sua conta corrente, visando negociar a taxa de juros e demais encargos que serão cobrados?

Claro que não. Existe uma uniformização no que diz respeito às taxas que são cobradas, sem falar na vedação a um requisito da formação de qualquer contrato, qual seja, a livre negociação. Impõem-se contratos de adesão nesta espécie de negociação, sem falar em outros abusos praticados.

Será, todavia, respeito à boa-fé e probidade, num primeiro momento, “comprar” dinheiro a taxas baixas (1,5%, prática uniforme do mercado) e “vendê-lo” a taxas incontestavelmente altas (8%, prática igualmente uniforme no mercado).

Claro que tais instituições, valendo-se do enorme poderio econômico que detém, fazem valer sua vontade quando são procuradas pelos consumidores, não restando a eles, senão aceitarem as condições que lhes são impostas.

Em evento que tinha como objeto a presente discussão, recebi a seguinte indagação: “será que as instituições financeiras teriam como sobreviver com a redução do spread?”. As instituições financeiras, além da cobrança de juros, adquirem numerário de outras formas; basta uma análise no riquíssimo rol de tarifas que são cobradas à exaustão de seus clientes.

Por que será que o Governo Federal não toma qualquer providência no sentido de reduzir o spread e amenizar a vida da população?

Ouso responder.

Um dos maiores tomadores de dinheiro das instituições financeiras é o próprio poder público, no intuito de saldar suas dívidas, ou seja, os bancos têm em sua carteira um “ótimo e fiel cliente”, que compra o produto disponibilizado com freqüência/fidelidade, financiando, por conseguinte, o déficit público.

Conclui-se, então, que o Governo Federal nunca irá rebelar-se contra tais instituições, pois, sem elas o déficit público não mais teria um “patrocinador”.

Finalizo o presente ensaio ousando apresentar o entendimento de que as instituições financeiras não estão amplamente liberadas para cobrar juros da forma que melhor lhes aprouver. Deverão fazê-lo dentro das fronteiras legislativas antes mencionadas.

Claro que seria necessária uma limitação mais clara e contundente, mormente com uma nova regulamentação do Sistema Financeiro Nacional, frente à revogação dos artigos pertinentes junto à Constituição da República.


Notas do texto:


[1] Importante mencionar que, mesmo contidas no Código Civil, tais normais devem ser respeitadas pelas Instituições Financeiras, vez que o normativo que a regula não trata deste assunto.
Fonte: Escritório Online

 

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