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Sábado, 20 de abril de 2024

Advogados festejam seu dia de olho nas prerrogativas

15 de agosto de 2005.

por Luciana Nanci

Talvez nunca as prerrogativas dos advogados tenham sido tão discutidas — e desrespeitadas, segundo muitos deles — como nos meses que antecederam a este 11 de agosto de 2005, Dia do Advogado. Até o início de julho, apenas no estado de São Paulo, ao menos 15 escritórios de advocacia foram alvos de operações de busca e apreensão da Polícia Federal.

A discussão ganhou corpo com a invasão ao escritório do advogado Luiz Olavo Baptista, professor titular da USP e árbitro no Tribunal de Apelação da Organização Mundial do Comércio, que tinha como cliente a cervejaria Schincariol, investigada por sonegação. Juízes e advogados se estranharam e foram às ruas para defender seus pares.

A advocacia ganhou novamente os holofotes com a atuação de advogados nas diversas CPIs que brotam no Congresso Nacional e nos pedidos de Habeas Corpus para que seus clientes tivessem respeitado o direito de não se auto-incriminar.

“Comemoramos o 11 de agosto com um olho no respeito às prerrogativas e o outro na crise política do país, porque os advogados são convocados, como foram em outras ocasiões, para garantir a ordem e o Estado Democrático de Direito”, afirma Mário de Oliveira Filho, presidente da Comissão de Prerrogativas da seccional paulista da Ordem dos advogados do Brasil.

Mas, segundo Oliveira Filho, para que os advogados garantam prerrogativas de seus clientes, é preciso que tenham também seus próprios direitos preservados. “O que preocupa é a imagem do advogado perante membros do poder público. Enquanto a OAB é uma das mais respeitadas instituições de classe, isoladamente o advogado ainda é bastante desrespeitado”, afirma.

Vitrine

“O exercício da advocacia requer um tratamento especial de confiança entre o profissional e o cliente, não pode haver interferência em sua atividade”, diz o professor da Uerj — Universidade Estadual do Rio de Janeiro Arnoldo Wald. As operações em escritórios e a apreensão de documentos de clientes colocam em risco, segundo Wald, o regime democrático de direito. “Cabe ao Poder Judiciário e aos Conselhos da Ordem garantir ao advogado o exercício pleno da profissão”.

Para Ives Gandra Martins, advogado e professor emérito do Mackenzie, o bem maior da democracia é o direito à defesa e o sigilo profissional é “a alma da defesa”. “Os juízes não poderiam dar [a autorização para a busca e apreensão em escritórios], o Ministério Público não poderia pedir e a Polícia Federal não poderia invadir, pois o artigo 5º, inciso XIV da Constituição Federal, garante o direito à defesa ao maior criminoso que possa existir”, afirma.

Segundo Ives Gandra, o desafio da advocacia é agora tentar reestabelecer as prerrogativas garantidas pela Constituição e pelo Estatuto da OAB. O objetivo é mostrar aos tribunais que o sigilo do advogado é tão importante quanto o sigilo que ao MP é garantido durante uma investigação. Afinal, se não foi o advogado que cometeu a infração não há porque devassar suas atividades. “Caso contrário voltaremos à época da ditadura”.

O presidente do Conselho Federal da OAB, Roberto Busato, afirma que o advogado não pode ser confundido com seu cliente: “Somos como os padres e representantes de uma das profissões mais solidárias da sociedade organizada”.

Escritórios S/A

A discussão da advocacia pela sociedade é um reflexo natural também da ampliação do leque de atuação dos advogados. Ramos do Direito antes inexistentes começaram a ganhar força, como o Ambiental, da Tecnologia e da Informação. O quadro da advocacia recebeu novas pinceladas ainda com os fenômenos da globalização e a febre das privatizações que se intensificaram sob a administração Fernando Henrique Cardoso: começaram a se formar os grandes escritórios, que hoje contam com mais de 300 membros das mais diversas áreas de atuação em suas bancas e têm folha de funcionários que chega ao milhar.

A tendência que se verifica é a de que grandes escritórios se transformam em corporações e há predominância da advocacia preventiva em detrimento da atuação do advogado no litígio de fato. “Como médicos, os advogados preferem evitar doenças a ter de remediá-las, em busca de soluções menos onerosas e mais vantajosas possíveis. A advocacia preventiva e de conciliação corresponde a uma transformação na vida brasileira”, diz Arnoldo Wald.

Mais barata, a advocacia preventiva guarda também o trunfo de evitar a lentidão do curso dos processos na Justiça brasileira, onde uma ação pode levar décadas até que chegue ao fim. “A máquina Judiciária está emperrada e os benefícios que ela pode trazer tornam-se pequenos diante da demora”, afirma Roberto Busato. Com isso, tornam-se cada vez mais comuns as atuações extrajudiciais, em mediação de conflitos, conciliação e arbitragem.

Mas como toda moeda tem seus dois lados, a formação dos grandes escritórios e a maior exposição dos advogados trazem conseqüências nem tão positivas e apresentam novos desafios aos profissionais. Segundo Busato, o fenômeno das corporações de Direito deve ser visto com cautela e certa preocupação. “Temos de defender o interesse de advogados de todos os tamanhos e combater a participação dos grandes quando ela for nociva”, afirma. O dano a que ele se refere toma forma quando a ocupação é predatória com a cobrança, por exemplo, de honorários “aviltantes”, que “enfraquecem a advocacia”.

Uma pesquisa feita pela Aasp — Associação dos Advogados de São Paulo no ano passado demonstrou que, entre seus associados, mais de 70% dos escritórios são compostos por apenas três advogados. E o desafio, para eles, é não ser engolido pelos grandes, que acabam concentrando boa parte da renda da advocacia. “A saída para os escritórios de tamanho médio é servir de espécie de departamento jurídico de pequenas e médias empresas que não tem como arcar com as despesas dos grandes escritórios”, diz José Diogo Bastos Neto, presidente da Aasp. “Para os pequenos, sobra a assistência a pessoas físicas e o mercado de assistência judiciária, por meio de convênio com os tribunais”.

Função social

As pressões sofridas pelos advogados, que se hoje possuem maior grau sempre foram intrínsecas à profissão, não pode afastá-lo de seu principal papel que é o de “de defensor do homem e de elemento catalisador para que o país possa alcançar o desenvolvimento sustentável dentro do regime democrático”, afirma Arnoldo Wald.

É o advogado que garante o cumprimento da Justiça, que “faz com que os conceitos jurídicos cumpram sua missão no processo de evolução”, afirma o presidente do IBCCrim — Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e professor da USP Maurício Zanoide de Moraes. É por isso que o advogado deve ser, segundo ele, um indivíduo inconformado, sempre disposto a uma nova luta e a novos desafios. “Nosso maior desafio é tornar a Constituição Federal uma verdade na vida do cidadão. Sua obrigação é defender o cidadão e colocá-lo de volta onde ele estava antes [de sofrer qualquer tipo de ação]. É saber que vai sofrer resistências mas nunca deixar de se orgulhar da profissão”.

Para o presidente da Aasp, o profissional de Direito é o mais “identificado com a liberdade e com as perspectivas de consolidação da democracia. [Exercer a advocacia] É um ato de heroísmo”.

Com a criação do Conselho Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional 45, espécie de controle externo do Judiciário, e a disposição de duas cadeiras de conselheiros destinadas a advogados, sua participação na sociedade torna-se maior. “Nosso papel agora tem relevância social maior ainda, para no Conselho garantir uma prestação Judiciária mais célere e próxima ao cidadão”, afirma Busato. Pois, como afirma Ives Gandra em seu Decálogo do advogado (leia abaixo), o advogado é o primeiro intérprete do Direito, que “a mais universal das aspirações humanas”. Sem ele, afirma, não há organização social.

Leia o Decálogo do advogado, de Gandra Martins

1. O Direito é a mais universal das aspirações humanas, pois sem ele não há organização social. O advogado é seu primeiro intérprete. Se não considerares a tua como a mais nobre profissão sobre a terra, abandona-a porque não és advogado.

2. O direito abstrato apenas ganha vida quando praticado. E os momentos mais dramáticos de sua realização ocorrem no aconselhamento às dívidas, que suscita, ou no litígio dos problemas, que provoca. O advogado é o deflagrador das soluções. Sê conciliador, sem transigência de princípios, e batalhador, sem tréguas, nem leviandade. Qualquer questão encerra-se apenas quando transitada em julgado e, até que isto ocorra, o constituinte espera de seu procurador dedicação sem limites e fronteiras.

3. Nenhum país é livre sem advogados livres. Considera tua liberdade de opinião e a independência de julgamento os maiores valores do exercício profissional, para que não te submetas à força dos poderosos e do poder ou desprezes os fracos e insuficientes. O advogado deve ter o espírito do legendário El Cid, capaz de humilhar reis e dar de beber a leprosos.

4. Sem o Poder Judiciário não há Justiça. Respeita teus julgadores como desejas que teus julgadores te respeitem. Só assim, em ambiente nobre a altaneiro, as disputas judiciais revelam, em seu instante conflitual, a grandeza do Direito.

5. Considera sempre teu colega adversário imbuído dos mesmos ideais de que te reveste. E trata-o com a dignidade que a profissão que exerces merece ser tratada.

6. O advogado não recebe salários, mas honorários, pois que os primeiros causídicos, que viveram exclusivamente da profissão, eram de tal forma considerados, que o pagamento de seus serviços representava honra admirável. Sê justo na determinação do valor de teus serviços, justiça que poderá levar-te a nada pedires, se legítima a causa e sem recursos o lesado. É, todavia, teu direito receberes a justa paga por teu trabalho.

7. Quando os governos violentam o Direito, não tenhas receio de denunciá-los, mesmo que perseguições decorram de tua postura e os pusilânimes te critiquem pela acusação. A história da humanidade lembra-se apenas dos corajosos que não tiveram medo de enfrentar os mais fortes, se justa a causa, esquecendo ou estigmatizando os covardes e os carreiristas.

8. Não percas a esperança quando o arbítrio prevalece. Sua vitória é temporária. Enquanto, fores advogado e lutares para recompor o Direito e a Justiça, cumprirás teu papel e a posteridade será grata à legião de pequenos e grandes heróis, que não cederam às tentações do desânimo.

9. O ideal da Justiça é a própria razão de ser do Direito. Não há direito formal sem Justiça, mas apenas corrupção do Direito. Há direitos fundamentais inatos ao ser humano que não podem ser desrespeitados sem que sofra toda a sociedade. Que o ideal de Justiça seja a bússola permanente de tua ação, advogado. Por isto estuda sempre, todos os dias, a fim de que possas distinguir o que é justo do que apenas aparenta ser justo.

10. Tua paixão pela advocacia deve ser tanta que nunca admitas deixar de advogar. E se o fizeres, temporariamente, continua a aspirar o retorno à profissão. Só assim poderás, dizer, à hora da morte: "Cumpri minha tarefa na vida. Restei fiel à minha vocação. Fui advogado".

Revista Consultor Jurídico, 11 de agosto de 2005

 

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