OAB Subseção Cruz Alta
Terça-Feira, 23 de abril de 2024

Parte geral do novo Código Civil - João Batista Barroso

27 de setembro de 2005.

“O juiz deste século será um solucionador de conflitos, mais do que um aplicador de regras rígidas” Desembargador José Renato Nalini – Tribunal de Justiça de São Paulo, in jornal o Estadão.

O novo Código Civil é composto por 2046 artigos e divide-se em duas partes, quais sejam, a parte geral e a parte especial.

Neste artigo falaremos sobre a parte geral que se subdivide em normas sobre pessoas físicas e jurídicas (artigos 1º a 69), domicílio (artigos 70 a 78), bens (artigos 79 a 103) e fatos jurídicos (artigos 104 a 232), englobando naturalmente as provas.

O princípio da eticidade (ética) que muda de tempos em tempos prevalece entre todos, mais ainda que a socialidade e operabilidade.

Primeiramente, direito civil é o ramo de direito privado destinado a reger as relações familiares, patrimoniais e obrigacionais que se formam entre os indivíduos enquanto membros da sociedade.

Dentro da parte geral, destacamos o artigo 1º: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

Desta forma, a expressão, “todo homem”, foi substituída pela expressão “toda pessoa”, nada mais justo, haja vista que somos todos iguais. Outra expressão que não se utiliza mais é “obrigações”, que pela ordem foi também substituída pela palavra “deveres”, no texto do artigo 1º. Mantém-se a divisão das pessoas em pessoa natural e pessoa jurídica, em que pese à tentativa de substituição do termo “pessoa natural” por pessoa física, pessoa humana.

Nota-se no Novo Código Civil, o tratamento dos incapazes de forma evolutiva, partindo da incapacidade absoluta.

Assim, passo a descrever os institutos primordiais:

A expressão pejorativa “os loucos de todo gênero”, foi substituída por “enfermidade ou deficiência mental”. A expressão “surdos-mudos”, com o novo texto, fica absorvida como modalidade de deficiência capaz de tornar a pessoa “excepcional”. Aqueles que transitoriamente não conseguem exprimir sua vontade, passam a ser considerados, por via de regra, absolutamente incapazes, com exceção, mediante perícia, ser considerado relativamente incapazes, a depender do grau. Os ébrios habituais, toxicômanos e demais passam para o novo código, para serem tratados como relativamente incapazes, desde que haja comprovação pericial. Os pródigos permanecem no rol dos relativamente incapazes , e os índios são remetidos à legislação especial (Lei nº 6001/73-Estatuto). A morte presumida pode ser declarada sem prévia declaração de ausência quando for extremamente provável a morte daquele que estava em perigo de vida ou daquele que desapareceu por dois anos após o término da guerra.

O maior de 18 anos passa a gozar de capacidade plena, substituindo a antiga regra que previa a capacidade plena somente aos 21 anos. Com o Novo Código Civil, só os pais podem ser acionados quando menores de 18 anos cometerem atos ilícitos. A emancipação pode ocorrer a partir dos 16 anos, somente por escritura pública. O maior de 16 anos, que se estabeleça civil ou comercialmente, ou assuma relação empregatícia, desde que, em função do estabelecimento ou emprego, venha possuir economia própria, também possa gozar de maioridade.

Quanto à personalidade, permanece em regra intransmissíveis e irrenunciáveis, além de imprescritíveis, com exceções da doação de órgãos, em vida, conforme Lei nº 9434/97 e a cirurgia ablativa (mudança de sexo) que permanece vedada.

Assim, além de todo ser humano de ter nome e sobrenome, bem como do pseudônimo consagrado, desde que utilizados para fins lícitos, a vida privada das pessoas alcança proteção judicial preventiva e repressiva, não só com direito a reparação, mas também com direito a medidas judiciais que venham a tolher lesões iminentes.

Com relação à pessoa jurídica, desaparecendo a subdivisão de sociedades civis e comerciais, que passam a se chamar empresariais quando regidas pelo jurídico comercial, e simples, quando suas obrigações forem regidas pelo sistema civil. Quanto as fundações, às finalidades assistenciais culturais, morais e religiosas somente, ficarão a cargo da doutrina.

O artigo 50 adota o princípio da “desconsideração da personalidade jurídica”, de forma integral. Disregard of the legal entity/i>, que vincula e atinge bens particulares dos administradores e sócios da pessoa jurídica, visando a impedir abusos e desvios de finalidade e fraudes. Em relação à criação de fundações, se o patrimônio destinado à sua instituição não for suficiente, deve-ser perquirir a finalidade objetivada pelo instituidor e transferir o patrimônio em questão para fundações de finalidade igual ou semelhante. Quanto ao domicílio, a mudança importante que se registra é a criação do domicílio profissional, que pode ser interpretado como nova nomenclatura do “centro de ocupações habituais’.

O novo Código Civil cria o instituto das “pertenças”, consideradas bens móveis principais que, sem pertencerem a determinado imóvel, o guarnecem, ampliando sua utilidade ou aformoseando, ou seja, tornar-se formoso.

Em relação à impossibilidade de usucapião de bens públicos, já expressa na súmula nº 340 do STF, cumpre observar que esta regra passa para lei em questão.

A inalienabilidade dos bens públicos permanece relativa, podendo ser destituída, em relação aos bens de uso especial, v.g., desafetação (contrário). Os bens dominicais, de domínio privado do Estado, continuam alienáveis, observadas as regras legais, a exemplo da licitação (aplicável a todos os casos, salvo as exceções da Lei nº 8666/93).

A expressão negócio jurídico, consagrada na doutrina, passa a ser utilizada como fato principal-jurídico, atendendo à importância deste (amplitude de efeitos, exigência de intenção e capacidade), todavia permanecem as subdivisões dos fatos jurídicos, apontando como principais o negócio jurídico, o ato jurídico em sentido estrito e o ato-fato jurídico.

Em relação aos defeitos dos negócios jurídicos, eles passam de cinco para seis vícios, pois houve a exclusão da simulação das causas de anulabilidade (elevada à causa de nulidade) e a previsão dos defeitos denominados “lesão” e “estado de perigo”.

A simulação passa a ser considerada causa de invalidade, ab initio, ou seja, desde o começo (desde a origem) do negócio jurídico. Como conseqüência, o juiz pode reconhecê-la de ofício, porque nulidade é matéria de ordem pública. Regida pelo princípio da causalidade, não gera a invalidade do negócio verdadeiro, desde que formal e materialmente válido, encoberto por uma de suas modalidades, a saber, a dissimulação. Como exemplo de dissimulação que permite a validade do negócio encoberto, pode ser citada a escritura pública e a transferência de propriedade de imóvel com valor declarado menor que o valor real, para fins de evasão fiscal, uma vez que a alienação permanece válida e eficaz.

Embora já aplicada no sistema jurídico pátrio, em razão de criação doutrinária, a lesão passa a ser prevista no Novo Código Civil. E definida como a realização de um negócio jurídico em que uma das partes, por inexperiência ou necessidade, se obriga à prestação manifestamente desproporcional à prestação oposta. Diferente da lesão preconizada pela doutrina, a lei não exige que um dos contratantes se aproveite da inexperiência ou necessidade do outro, ou seja, em regra, não é exigível o dito elemento subjetivo ao qual a doutrina dava o nome de dolo de aproveitamento.

Incluído no Novo Código Civil, e muito assemelhado, para alguns doutrinadores, ao estado de perigo tem como requisitos, para que torne possível a anulação do negócio realizado sob sua proteção: a situação de perigo que torne necessário que um dos contratantes salve a si próprio, ou alguém de sua família; a solicitação de auxílio à outra parte, conhecedora do perigo; e a assunção de obrigação excessivamente onerosa em razão do auxílio.

Quanto à sua validade, três teorias se opõem: uma delas exige a efetividade do negócio em razão do brocardo “pacta sunt servanda”, ou seja, os pactos devem ser observados, isto é, mantidos, cumpridos; outra pugna pela anulabilidade do negócio, se requerida; terceira e intermediária, oriunda da doutrina italiana, prevê a anulação somente se a obrigação for excessivamente onerosa, pois, se não houver excesso patente, o negócio se cumpre, e a decisão sobre ser excessiva ou não a obrigação é do juiz, notadamente quando a solicitação for realizada com o fim de salvar terceiro que não da família do contratante , a teoria adotada pelo texto legal.

Quanto ao erro de fato, o sistema anterior já admitia que o negócio jurídico praticado com tal vício fosse anulado.

O novo Código Civil amplia o instituto do erro ao permitir expressamente que também o erro de direito leve à anulação de determinado negócio jurídico, desde que, a anulação, não haja a intenção de descumprir a lei, uma vez que, com esse fim, a lei não pode ser afastada.

A prescrição de acordo com o novo Código Civil é a perda da pretensão atribuída ao autor de direito violado, de vê-lo reparado ou protegido.

Os prazos instituídos em regras de ordem pública são inegociáveis, vale dizer, inalteráveis por vontade das partes.

O juiz passa a poder suprir a inércia da parte, declarando de ofício a prescrição, mesmo em se tratando de direito patrimoniais, se o objetivo for o de favorecer pessoa absolutamente incapaz. Em relação à prescrição de direito não-patrimoniais, verdadeiras causas legais de decadência no ordenamento pátrio, se e quando previstas, poderá o juiz usar do permissivo legal constante do diploma processual civil, e declará-la de ofício. Agora com o novo Código Civil, a prescrição é geral, é de 10 anos, não importando ser a ação real ou pessoal, desde que a lei não estabeleça prazo menor.

Também não existe mais dúvida quanto à prescrição e decadência. Todos os prazos que não estiverem previstos nos artigos 205 e 206 do novo Código Civil serão considerados prazos decadenciais que é a perda do próprio direito. O artigo 206, § 3º, inciso V, do novo Código Civil dispõe que prescreve em 3 anos a pretensão da reparação civil de danos, sejam eles materiais e ou morais. O artigo 200 do novo Código Civil traz o que a jurisprudência já entendia acerca da não-incidência da prescrição, relativa a ato originado em processo penal, até o trânsito em julgado da respectiva sentença, em síntese, como aprendi nos bancos universitários, prescrição é a perda do direito de ação, enquanto a decadência é um pouco mais, a perda do direito.

Devemos observar sempre o artigo 2028 do novo Código Civil que, ao tratar das disposições finais transitórias, determina a utilização dos prazos do Código Civil de 1916 aos atos praticados sob sua ótica, quando o novo diploma traz prazo reduzido, ou já correu mais da metade do prazo previsto na lei revogada.

Conseqüentemente, no término da parte geral, finalizamos com o ato ilícito e responsabilidade civil, sendo o primeiro _ato praticado em desacordo com a norma jurídica, causando danos a terceiros e criando o dever de repará-los. Por conseguinte, surgem as teorias da responsabilidade – objetiva e subjetiva, desta forma, o novo Código Civil adota a teoria subjetiva, qual seja, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Finalmente, a prova está prevista no artigo 212: “Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I-confissão; II-documento; III-testemunha; IV-presunção; V-perícia, que em síntese sempre prevalecerá à boa fé. Há de se observar que ele também nos ensina: “não podem ser admitidos como testemunhas: I- os menores de 16 anos; II- aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil; III- os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer provar dependa dos sentidos que lhes faltam; IV- o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes; V- os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consagüinidade, ou afinidade, enfim, o artigo 232, reza “A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”.

Conclusão: solução e ética sempre, ressaltando que a eticidade é o principal dos princípios adotados no novo Código Civil, pelo professor e consagrado jurista Miguel Reale.

Sexta-feira, 23 de setembro de 2005
 

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