OAB Subseção Cruz Alta
Quarta-Feira, 24 de abril de 2024

Advogado faz críticas à Justiça em sustentação oral

25 de agosto de 2005.

O que seria apenas mais uma defesa em Mandado de Segurança julgado no
Tribunal de Justiça de São Paulo se transformou numa feroz crítica à
Justiça. Numa sustentação oral, o advogado David Teixeira de Azevedo,
vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da seccional
paulista da OAB, soltou o verbo e expôs aos desembargadores da 4ª Câmara
Criminal a quantas anda o crédito do Judiciário perante os advogados.

O Mandado de Segurança contestou a decisão do juiz que proibiu o advogado
Francisco Lobo da Costa Ruiz de gravar uma audiência criminal. Os
desembargadores também negaram o pedido mas, em contrapartida, ouviram um
desabafo que, via de regra, é feito somente quando encerradas as sessões.

Na defesa (leia a íntegra abaixo), Azevedo discorreu sobre cada um dos
pontos que tanto incomodam os advogados no cotidiano forense. "O Direito não
está nos códigos, cujas leis são ignoradas. O Direito não está na ciência,
cujos princípios são intencionalmente desconhecidos. O Direito não está nem
na jurisprudência, cujas orientações mudam a cada instante. Direito é o que
a gente pede e o juiz dá ", afirmou o advogado, citando a frase atribuída ao
renomado processualista Sérgio Pitombo.

Entre as críticas, o excesso de prazo das prisões, como num Habeas Corpus em
que um cliente seu "experimentava o cárcere há mais de 250 dias sem que nem
mesmo iniciasse a instrução com produção de prova de acusação". O HC foi
negado e o cliente permaneceu preso.

O advogado atirou também na distância que o Poder Judiciário costuma guardar
dos jurisdicionados. "Fico angustiado porque não posso entrar neste tribunal
às dez horas da manhã para assistir a um julgamento. Eu, cidadão. Ao
ingressar hoje no Tribunal perguntaram-me se sou advogado. Respondi que sim.
Permitiram-me o ingresso. Se ostentasse a relevante e abastardada condição
de cidadão, impediriam meu ingresso, porque somente após as 13 horas é que
se permite ao homem comum a aproximação do Poder Judiciário", disse.

Noutro trecho, Azevedo reforça a crítica de que "Direito é o que o juiz dá".
Segundo o advogado, durante o julgamento de outro Habeas Corpus, o
desembargador afirmou que não estaria confortável para conceder o pedido.
Para o representante da OAB-SP, "definitivamente, não pode a liberdade do
cidadão demorar-se no maior ou menor conforto espiritual do magistrado".

Para o advogado, "o princípio da legalidade inverteu-se. O cidadão precisa
de ter lei permitindo. É tudo proibido a não ser que legalmente seja
permitido".

Leia a sustentação oral de David Teixeira de Azevedo

Meritíssimo Desembargador Hélio de Freitas, presidente desta egrégia Câmara,
a quem agradeço a atenção e a deferência de prolongar o julgamento nesta
manhã a fim de ser decidida matéria relevante argüida nesta ação
constitucional.

Digníssimo desembargador Luis Soares de Melo, receba meus cumprimentos. Sei
que Vossa Excelência com cuidado examinou a matéria. Também sei que já tem o
seu convencimento e esta sustentação oral pretende trazer alguns subsídios
para a completa certeza da justeza e da justiça deste writ.

Excelentíssimo Desembargador Euvaldo Schaib, estendo-lhe igualmente minhas
homenagens, as quais alcançam também o ilustre procurador Geraldo Silveira,
desde logo o elogiando pelas brilhantes observações e sustentações orais
proferidas nesta manhã.

Minha qualidade nesta tribuna é tripla: compareço como advogado, cuja máxima
honra é representar a Ordem dos advogados do Brasil, mas compareço
entristecido, desanimado, desencorajado. Compareço como cidadão, mas como
cidadão aflito e angustiado, porque minhas esperanças parecem residir apenas
do Supremo Tribunal Federal. Compareço na qualidade de professor de Direito
Penal da Universidade de São Paulo, a ministrar aula no 5º ano. Mas
compareço desencantado. É nessa tríplice condição que envergo a beca e
assomo a tribuna.

O professor está desencantado. Desencanto da ciência e desencanto do direito
feito praxe, porquanto a cada momento de minha aula, após ensinar os alunos
um princípio dogmático e os vetores de democracia que o condicionam, sou
obrigado a observar que o princípio da ciência jurídico-penal e a linhagem
político-criminal apresentada "na prática é diferente"; que os tribunais não
têm julgado assim; que as conquistas seculares da ciência jurídico-penal, da
dogmática jurídica, responsáveis pela certeza na aplicação da lei, não estão
mais valendo.

Assim é, p.ex., o (re) trabalho operado sobre o princípio da razoabilidade.
Criado originalmente por Recaséns Siches para limitar e opor fronteiras ao
poder de intervenção do estado, foi pervertido e degenerado de modo a
justificar a prisão sem termo, a contrição da liberdade sem limite. Tudo é
razoável, a extensa prisão é razoável em razão do processo com vários réus,
da complexidade da matéria, da sobrecarga do judiciário, etc, etc.
Recentemente em um julgamento de ordem de habeas corpus em que um cliente
experimentava o cárcere há mais de 250 dias sem que nem mesmo iniciasse a
instrução com produção de prova de acusação, ao ser indeferido o mandamus
com fundamento no princípio da razoabilidade, pretendi um aditamento para
que o Tribunal fixasse o prazo razoável da prisão: 360 dias, 720 dias, 1540
dias? O Tribunal disse ser defeso ingressar na matéria, como se não pudesse
conceder ordem de habeas corpus de ofício!

Como cidadão fico angustiado porque não sei quanto tempo ficarei no cárcere
e quanto tempo prevalecerá o argumento fundamentado no distorcido princípio
da razoabilidade e se os requisitos da prisão preventiva de fato precisam de
ser atendidos para haver cerceamento de minha liberdade. Fico angustiado
porque não posso entrar neste tribunal às dez horas da manhã para assistir a
um julgamento. Eu, cidadão. Ao ingressar hoje no Tribunal perguntaram-me se
sou advogado. Respondi que sim. Permitiram-me o ingresso. Se ostentasse a
relevante e abastardada condição de cidadão, impediriam meu ingresso, porque
somente após as 13 horas é que se permite ao homem comum a aproximação do
Poder Judiciário. No Fórum da Barra Funda é pior: mesmo no horário de
funcionamento pleno, o cidadão não tem acesso às Varas Criminais. Somente o
acusado, o advogado e as testemunhas! Este julgamento é público tanto quanto
o das Varas Criminais e, portanto, o povo pode aqui ingressar para festejar
a justiça. Mas o povo está sendo alijado da Justiça, as portas estão com
estrondo sendo trancadas. Numa oportunidade, ao ir sustentar no Tribunal de
Alçada Criminal - cujos trabalhos começavam às nove horas e trinta minutos -
meu estagiário foi impedido de subir ao 13º andar onde estão os plenários,
sob pretexto do ingresso ser privativo aos advogados e funcionários. Meu
estagiário ficou embaixo com uma legião de cidadãos. Falei com o presidente
ou vice-presidente, o ilustre magistrado Navarro, apontando a violação do
princípio da publicidade e a nulidade, decorrente de tal violação, de todos
os julgamentos. O cidadão tem o direito de chegar próximo ao Poder
Judiciário para conhecer-lhe a intimidade, conhecer de perto as decisões
jurisdicionais e a motivação delas, para ajuizar do acerto e justiça dos
provimentos, e, o mais relevante, para fiscalizar o exercício da jurisdição.
Como cidadão me preocupo, e muito, porque a prisão cautelar já não tem de
obedecer a fundamentos, mas a convencimentos muito íntimos e ao humor do
julgador. Hoje, neste Tribunal, ouvi como fundamentação da custódia cautelar
em uma ordem de habeas corpus: - "Não estou confortável de conceder a ordem,
de pôr na rua o paciente". Pergunto: que é isto? Não valem mais os
pressupostos de cautelaridade que são objetivos? Definitivamente, não pode a
liberdade do cidadão demorar-se no maior ou menor conforto espiritual do
magistrado!

E como advogado estou combalido, desanimado, depois de quase 25 anos de
advocacia. Quando passo no detector de metal e sofro revista no Fórum, como
se sobre mim e sobre uma legião de advogados pairasse sempre a sombra da
suspeita, como se fôramos bandidos; quando um juiz indefere quarenta e oito
pedidos de liberdade provisória no plantão na semana passada, todos com o
mesmo fundamento. E quando este Tribunal nas ordens de habeas corpus
subseqüentes indefere os 48 pedidos de liminares com o mesmo despacho vazio
e sem fundamentação. Quando o ilustre vice-presidente deste egrégio Tribunal
não recebe advogados mesmo sendo afirmado haver direito expresso na lei e
haver delito de abuso de autoridade na recusa de receber o advogado: "- Ele
não recebe advogado, doutor! - Mas é direito meu (art. 7o )! É crime não
receber! "Não recebe!"Que esperança pode haver? Que esperança pode haver? Eu
trouxe um texto do Dr. Roberto Romano, titular de Ética e Política, que
escreveu sobre a "filosofia e as instituições", "filosofia e a ciência
humana" e tratou do Poder Judiciário.

Neste trabalho ele adverte de como o segredo e o sigilo sempre significaram
o exercício desregrado de um poder. Parece ser assim mesmo. Como diz o
apóstolo João: "as coisas não vêm à luz pra que as obras más não sejam
manifestas!" E é bem por isso que os regimes totalitários, os fundamentos do
nacional-socialismo, do nazismo, sempre foram caracterizados pelo sigilo e
pelo segredo. Agora não dão vista para advogado tenha ou não tenha
procuração nos autos. É a inquisição. "- Não doutor, está sob segredo, sob
sigilo. O senhor não pode ter acesso". Impetra-se mandado de segurança e o
Tribunal indefere a liminar, porquanto existe um urgente interesse público
no segredo. Tudo como se não houvesse ingente interesse público na garantia
do direito de defesa!

Temos de cumprir, na realidade, um rito de passagem nos tribunais de segundo
grau para alcançar o Supremo Tribunal Federal, que afirmou o direito
incondicionado do advogado de acesso aos autos. Parece que somente no
Supremo são produzidos votos lúcidos! O Ministro Marco Aurélio afirmava
estar assustado e constrangido por ter de corrigir votos e manifestações dos
tribunais inferiores com explícita violação dos princípios e fundamentos
constitucionais garantidores. Isso combali; isso abate; isso desespera.
Desespera quando o Poder Judiciário é feito loteria e não se pode afirmar ao
cidadão com direito muito líquido e muito certo o sucesso da demanda. O
cliente chega ao escritório e pergunta: "Doutor eu vou ganhar?" Não tenho a
mínima idéia. Pode ser que sim, pode ser que não. "O que diz a lei?" Você
vai ganhar. Mas eu vou ganhar? Não sei.

Desgraçadamente tenho de concordar com o professor Pitombo, processualista
de renome, saudoso professor da Universidade de São Paulo, que jocosamente
deu uma definição de direito odiosa e por ele odiada, contudo agora me
parecendo verdadeira: "Direito é o que a gente pede e o juiz dá". O Direito
não está nos códigos, cujas leis são ignoradas. O Direito não está na
ciência, cujos princípios são intencionalmente desconhecidos. O Direito não
está nem na jurisprudência, cujas orientações mudam a cada instante.
"Direito é o que a gente pede e o juiz dá".

Qual é a hipótese destes autos? É a mais simples, a mais singela, a de menor
indagação jurídica possível: ingresso do advogado com gravador no Fórum e a
possibilidade de gravar a audiência. No caso deste remédio, o advogado quis
ingressar com um gravador no Fórum. Impedem-lhe a passagem. "O senhor não
vai entrar". Diz ele, "Eu vou porque tenho direito"! Entra, vêm os policiais
e ele reforça, "Não me toquem! Eu tenho o DIREITO de entrar com este
gravador aqui!" Impetra-se mandado de segurança e responde uma das
autoridades coatoras, o diretor do fórum: "Eu nunca proibi o ingresso de
gravador no fórum".

Com isto, o Ministério Público aponta neste aspecto haver o mandamus perdido
objeto. A segunda autoridade coatora - o juiz da Vara - sustentou a falta de
amparo legal para a realização da gravação da audiência. O advogado afirmou
ao magistrado que iria gravar a audiência. O magistrado: "eu indefiro". Mas
porque indefere? "Falta de amparo legal". Mas como falta de amparo legal? Eu
não tenho que ter amparo legal para me permitir gravar. Isto faz parte do
princípio da publicidade do processo. "Indefiro". Mas como indefere?! Não há
proibição!

Hoje em dia tudo é proibido e a permissão tem de ser expressa. O princípio
da legalidade inverteu-se. O cidadão precisa de ter lei permitindo. É tudo
proibido a não ser que legalmente seja permitido. No entanto, no caso
específico de gravação de audiência há lei permitindo (art. 417 do CPC). O
Código de Processo Civil é explícito (e que subsidiariamente aplica-se à
disciplina processual penal por força do art. 3º do CPP): "o depoimento
datilografado, registrado sob taquigrafia, estenotipia e outros meios
idôneos de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente, pelos
procuradores, facultando-se às partes a sua gravação". A permissão é
expressa e explícita! É legal; é previsto em Lei! O que diz a lei dos
Juizados Especiais Criminais? Permite a gravação!

Pelo princípio da legalidade, gravam-se os depoimentos, os atos processuais,
eles estão lá, gravados! O art. 792 do Código de Processo Penal afirma que
as audiências, sessões, serão todas públicas, salvo um urgente interesse
publico. A exceção é quando elas se farão em segredo. Uma extensão da
publicidade é poder levar de qualquer modo, por qualquer meio, tudo o se
desenvolve na intimidade e nas entranhas do Judiciário. E os julgamentos,
principalmente nos EUA, não são transmitidos pela televisão? Seria de muita
valia democraticamente se este julgamento, hoje, estivesse sendo transmitido
pelas redes de televisão. Os julgamentos e debates na Suprema Corte
brasileira são públicas e passam nos meios de comunicação social. As
audiências, portanto, são também públicas e devem alcançar o povo pelos
meios de comunicação os mais amplos possíveis. Sim! Ora, se é direito do
advogado, se é direito das partes gravar, provindo este direito de uma norma
processual civil que incide, coabita com o princípio da publicidade no
processo penal, nada há que justifique o impedimento.

O advogado tem de ter direito de exercer sua profissão. Como custos legis,
detém o direito e o dever de fiscalizar. Se ele não puder ter essa segurança
no exercício de sua profissão e na defesa de seu cliente, como fará? Como
exercer a profissão, a velar pela regularidade formal do processo se não se
pode impugnar um termo por exemplo lavrado por estenotipia.

Recentemente, em uma audiência de plenário do júri levado a termo por
estenotipia, impugnei um quesito de participação, assim redigido:
"fulano...contribuiu de qualquer modo ao crime?" Eu impugnei. Isto é
genérico demais, e permite a regressão ao infinito! Requeri a especificação,
ao que o magistrado corrigiu: "Contribuiu de qualquer modo emprestando o
veículo". Novamente impugnei. - Excelência, eu também quero impugnar, porque
o jurado fica entre duas alternativas: (i) contribuiu de qualquer modo, e,
exemplificativamente, (ii) emp estando o veículo. Por favor, excelência, eu
peço que seja: "contribuiu para o crime emprestando o veículo". "Não,
doutor,..." Ah, já que indeferiu, então consigne...

Depois um mês, um mês e meio, dezenas e dezenas de audiências do magistrado,
outras tantas do advogado, a Ata é datilografada e minha segunda impugnação
dela não consta. Apresentou uma petição dizendo haver alguma inexatidão e
omissão, visto que havia impugnado. "Não! Afirmou o magistrado. "A ata
retrata fielmente os termos da impugnação". Vim para este tribunal.
Conseguiu a realização de novo júri - em que a cliente foi absolvida - não
pela nulidade flagrante mas porque a condenação fora absolutamente contrária
à prova dos autos.

O advogado deve ter instrumentos para o exercício de sua profissão, para
registro dos sucessos da audiência e isso permite o Código de Processo
Civil, aplicável ao Processo Penal.

João, o apóstolo João, o apóstolo do amor, no capítulo 3, ver. 21, fala uma
coisa muito interessante e com isso gostaria de terminar esta minha
sustentação oral: "Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que
suas obras sejam manifestas. Porque são feitas em Deus". O Poder Judiciário
sempre se confundiu historicamente com a divindade. O poder que V. Exas.
detêm é o jus vitae et necis. O direito de vida e morte cívica e moral. Os
senhores dão vida ou os senhores sepultam. Isso é um poder divino. A obra do
judiciário tem de estar na luz. A obra de V.Exas. deve estar na luz.

Porque que as obras dos juizes em geral devem estar na luz. Peço a concessão
do Mandado de Segurança para que se faculte a este advogado, e será útil
esta decisão também porque será facultado a todos os advogados a gravação e
o exercício de seu mister.

Digo aos senhores desembargadores: não é advogado que quer gravar audiência
para "pegar" juiz, não se trata de nada disso não. O anseio do advogado,
hoje em dia, em gravar uma ou outra audiência, especialmente as audiências
complexas, reside principalmente na estenotipia. Estenotipia que antes era
uma faculdade: "O advogado permite que seja feita a estenotipia?" O advogado
permitia e ela era feita. Agora não adianta o advogado se opor. Ele tem de
assinar o termo no escuro e confiar na verdadeira judicatura de um
escrevente. Porque este último, na consignação das palavras, as faz do modo
que quer, de boa ou má fé, confundindo termos e idéias. Na redação do termo,
na redação da ata, no que de conteúdo eles terão, no que fizer o
estenotipista é que estará a verdadeira judicatura. Já não serão vossas
excelência os operadores do Direito. Muito obrigado.

Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2005

 

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